Cypherpunks
El Inca é uma prisão que contém todo tipo de gente. Pessoas que não pagaram pensão, pessoas que cometeram fraude, usuários de drogas recreativas, traficantes de drogas, assassinos – e eu - .
Uma coisa que me surpreendeu um bocado quando eu vim pra cá foi o quão importante a religião parece ser. Durante os dias e noites, você frequentemente ouve uma sonora reza em grupo ou hinos cristãos e essas são as mesmas pessoas que poderiam estar bradando a sua aliança à Vatos Locos uma hora atrás. As mesmas pessoas que entram em brigas violentas regularmente. Esse contraste é desconcertante e interessante.
Aqui me perguntaram frequentemente se eu sou religioso. Apesar da pergunta ser mais comumente formulada como: "você tem fé?". No bloco da minha cela, várias pessoas leem a Bíblia constantemente e eu sei que a reza é algo em que muitas pessoas se apoiam pra atravessar seus dias.
Então, o que eu respondo? Na maioria das vezes tenho que responder que na Suécia a fé não é muito comum e que eu sou um sueco relativamente típico nesse aspecto. Às vezes respondo "ciência". Outras vezes: "conhecimento" e às vezes: "ética e moral" e todas essas coisas são verdade, tanto quanto elas não são a história toda. E da perspectiva técnica, meu sistema de crenças corresponde bastante com o que tem sido chamado de Cypherpunk. Eu, pessoalmente, me identifico como um, porém não é necessariamente algo que eu tenha mencionado muitas vezes.
Ok, então vamos dar um passo pra trás. O que é toda essa coisa de Cypherpunk? Como qualquer coisa com a palavra punk no nome, há um elemento de anarquismo nela e isso significa que prover uma explicação oficial é simplesmente impossível. Há ao menos tantas perspectivas sobre o cypherpunk quanto cypherpunks. Então essas são minhas próprias perspectiva e visão.
Cypherpunks não são exatamente um grupo. É uma perspectiva moral, uma forma de olhar para o mundo. Começou a ficar prevalente nos anos 80, quando a criptografia fez sua transição dos governos para a sociedade civil. Mesmo que certamente houvesse pessoas com uma perspectiva cypherpunk há muito mais tempo. Whitfield Diffie é um nítido exemplo.
Quando a criptografia ficou mais comum a contra-reação começou. Governos começaram a tentar controlar esse conhecimento.
Esse conflito levou ao que passou a ser chamado de Primeira Cryptoguerra (muitas pessoas, eu incluso, observam que nós estamos atualmente atravessando a Segunda). Durante esse período várias pessoas se juntaram. Primeiro fisicamente, depois digitalmente, discutindo como criptografia poderia ser uma ferramenta para liberação, algo que poderia ser usado para muitas funções importantes da sociedade. Mas, para que a criptografia florescesse, primeiro você precisaria que governos e autoridades recuassem e parassem de restringi-la, aí então as pessoas teriam que construir essas ferramentas.
Muitas ideias importantes vieram dessas primeiras discussões e pessoas: moeda digital (precursora do Bitcoin), redes mistas (que levaram ao onion routing e ao Tor), PGP, sistemas eletrônicos de votação (não como os que temos hoje, não. Esses sistemas forneciam garantias de segurança significativamente mais fortes) e muitas outras coisas.
Então, quais são as crenças, os princípios morais? Pra começar, código e arquitetura são mais importantes que leis. Leis podem ser quebradas, mas se construirmos nossos sistemas corretamente, podemos fornecer garantias reais. O direito à privacidade, segurança e anonimato também é uma crença forte e a ideia de que esses direitos pertencem a todos, não apenas àqueles que podem pagar por isso.
Relacionado a isso, está a desconfiança da autoridade, não apenas dos governos, mas de qualquer tipo de autoridade. Isso significa que esses direitos não podem ser fornecidos como direitos legais por decreto. Em vez disso, esses direitos devem ser fornecidos por algo mais forte: por sistemas criptográficos, implementados e executados abertamente. Esta é a única maneira real que você pode finalmente fornecer autodeterminação real a todos no mundo.
Uma crença final: cypherpunks escrevem código. Isso significa exatamente o que diz. Se queremos um mundo melhor, temos que assumir a responsabilidade. Temos que construí-lo nós mesmos.
/Ola Bini